PERMISSÃO PERNICIOSA
Clarice Lispector tem um prisma interessante e inteligente no seut texto "Pescaria". Ela diz que para o homem, "pescar é esporte, mas, para o peixe há de ser guerra. E guerra de emboscada, que é a pior de todas".
Minha tia, na minha infância sempre contava uma charada de um diálogo, que até agora eu não me esqueço> "Sai daqui, se não eu te como aqui"!
"Se você me 'cumê' aqui, quem me pôs, te tira daqui".
Um dia, minha tia me revelou o enigma: era um colóquio entre o peixe e a isca.
Jesus, entre as suas brilhantes filosofias, tem aforimas que muito agora se fazem oportuno: "Tudo me é lícito, mas nem tudo permitido". "Tudo me é permitido, mas nem tudo me convêm".
As permissões oferecidas pelo alto escalão do governo permitem carnavais fora de épocas dentro das instituições públicas. É o bloco dos foliões mascarados pelo falso papel de cidadania.
Entenda meu querido leitor: em época de eleições; o funcionário público pode optar por exercer sua cidadania em permuta por ausencias nas suas atividades públicas. Um funcionário público, por exemplo, um professor, pode abandonar as salas de aulas por até seis dias (o que pode significar até doze dias consecutivos distante do oficio; uma irresistível mini-férias). Até aqui nada de errado, já que este abandono de oficio tem garantia de remuneração dentro da lei. O problema começa realçar a sua face, quando se percebe que estes "agrados legais" são autênticos presentes de grego.
Que bela isca da má administração do poder público. Logicamente, o professor da escola pública, sempre nadando nas águas turbulentas da sua insatisfação profissional acabará por morder estas iscas lançadas estrategicamente pela ideologia do governo. Estes abonos de abandonos se vestem em trajes de indenização salarial, uma forma de compensar o miserável salário e as péssimas condições de trabalho que são enfiadas na goela do profissional da educação.
Meu querido leitor: não estou contra os benefícios que são oferecidos pela (má)aquina administrativa do Estado. São todos permitidos, resta refletir se convêm.
A balbúrdia gerada por estas concessões, acelera impiedosamente a gravidades da qualidade do ensino público, estigmatizando na imagem do educador sem compromisso com a assiduidade.
O professor Júlio Groppa Aquino tem o seguinte veredicto:"Ainda que amparado por lei, o direito de se ausentar não pode contrapor-se ao dever maior de construir uma escola de qualidade."
"Pouquissimas profissões carregam o hábito das faltas ao trabalho de forma tão nítida como a nossa. O resultado são aulas vagas a profusão, calendários fictícios, conteúdos aligeirados..." Enfim, uma catástrofe sem precedentes, onde sem o mínimo de reflexão ( e também sem ingenuidade), assinamos o nosso próprio atestado de óbito profissional.
É preciso entender que baixas quantias de remuneração, não devem e nem podem significar vingança docente para cima do corpo discente. Depois, não adianta lamentar (dentro da sala dos professores durante o tempo de recreio) da falta de estrutura e investimento na educação pública. O governo cuspirá na nossa cara a nossa indolência enquanto educador, o nosso culto de cada dia ao deus dos vagabundos.
"Tudo me é lícito, mas nem tudo permitido". É preciso repensar as permissões perniciosas do poder público.
Professores e outros guerreiros da educação: estamos numa guerra. E guerra de emboscada, que é a pior de todas.
Cuidado, não se entusiasme com a regalia das ausências abençoadas por lei, são iscas.
Prof. Tchê - tchefilosofo@hotmail.com