"A filosofia é a arte de formar, de inventar, de fabricar conceitos /.../
O filósofo é o amigo do conceito, ele é conceito em potência.
Quer dizer que a filosofia não é uma simples arte de formar,
de inventar ou de fabricar conceitos, pois os conceitos não são necessariamente formas, achados ou produtos. A filosofia,
mais rigorosamente, é a disciplina que consiste em criar conceitos."
(G. Deleuze e F. Guattari, O Que é a Filosofia?
RJ: Ed. 34, 1992, p. 10-13)
Mas, o que é mesmo filosofia?
Para ensinar, é preciso que o professor, em primeiro lugar, tenha claro para si mesmo o que ele entende por Filosofia. Sabemos que, ao longo da história, são várias as concepções de Filosofia, e o mínimo que se pode esperar é que o professor apresente coerência entre aquilo que ele entende por Filosofia e aquilo que ele ensina em sua prática escolar. Resolver essa questão é o primeiro passo para fazer a escolha por um dos três eixos apresentados.
Particularmente, gosto muito de uma definição apresentada pelos filósofos franceses Gilles Deleuze e Félix Guattari, apresentada na obra O Que é a Filosofia?, publicada na França em 1991 e já traduzida no Brasil desde 1992. Nesse livro Deleuze e Guattari apresentam a Filosofia como uma atividade do pensamento que consiste em criar conceitos. Mobiliza-me essa definição em dois aspectos: primeiro, por tomar a filosofia como uma ação, uma atividade. A Filosofia é apresentada como um ato, ato de pensamento. Para o ensino e o aprendizado da Filosofia, isso é determinante, pois para sermos fiéis a esse tipo de experiência de pensamento, não basta que ensinemos seu produto, mas é essencial que façamos a própria experiência. O segundo aspecto é que eles atribuem à Filosofia uma especificidade que só ela tem: a de produzir conceitos.
O leitor possivelmente pensará: mas o conceito não é exclusivo da filosofia; e os conceitos produzidos pelas diversas ciências? E aí está o ponto. O que Deleuze e Guattari denominam por conceito não é aquilo que comumente chamamos de conceito, na ciência, por exemplo. Em geral, tomamos conceito por noção, definição, representação mental. A definição é algo que resolve uma pergunta e, com isso, paralisa o pensamento. Explico: penso, a partir de um problema que tento resolver, de uma pergunta para a qual busco resposta. Se encontro a resposta, cessa o movimento. A definição responde à pergunta. Para Deleuze e Guattari, a Filosofia é um exercício de pensamento que não cessa, que não paralisa. É um tipo de pensamento que se articula em torno do problemático, em torno de problemas que não se resolvem de forma direta, imediata e definitiva. O conceito, para eles, não é uma definição.
Em obras como Diferença e Repetição e Lógica do Sentido, publicadas em 1969, antes de sua produção em parceria com Guattari, Deleuze já estava preocupado em produzir uma Filosofia fora do eixo da representação, que domina o pensamento ocidental desde que Platão inventou uma maneira de pensar e produzir Filosofia. Assim, a noção de conceito que ele forja com Guattari anos depois nada tem a ver com representação mental e definição. Para eles o conceito é, ao mesmo tempo, um ato de pensamento e um produto do pensamento. O conceito é uma forma de equacionar o problema, que motiva a experiência filosófica, sem, no entanto, resolvê-lo ou eliminá-lo. A um só tempo, o conceito é resultado de uma experiência de pensamento e um motivador, um impulsionador de novas experiências de pensamento.
Para Deleuze e Guattari, o pensamento é essencialmente criativo; e há três potências de criação no pensamento: a Arte; a Ciência; a Filosofia. Cada uma delas é uma forma distinta de experimentar o pensamento e cada uma delas produz um resultado diferente para suas experiências. Aquilo que o cientista produz eles chamam de funções. O que é produzido pelo artista eles denominam perceptos e afectos. E chamam de conceitos aquilo que produz o filósofo. Assim, o que a Filosofia faz só ela faz. A Filosofia não pode ser substituída pela Arte ou pela Ciência, assim como não pode substituir nenhuma delas. Ao contrário, essas três potências de complementam e se alimentam entre si, umas fazendo com que as outras possam ser mais criativas.
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