Refletindo

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quarta-feira, 9 de junho de 2010

Mas, o que é mesmo filosofia?


"A filosofia é a arte de formar, de inventar, de fabricar conceitos /.../
O filósofo é o amigo do conceito, ele é conceito em potência.
Quer dizer que a filosofia não é uma simples arte de formar,
de inventar ou de fabricar conceitos, pois os conceitos não são necessariamente formas, achados ou produtos. A filosofia,
mais rigorosamente, é a disciplina que consiste em criar conceitos."


(G. Deleuze e F. Guattari, O Que é a Filosofia?
RJ: Ed. 34, 1992, p. 10-13)

Mas, o que é mesmo filosofia?

Para ensinar, é preciso que o professor, em primeiro lugar, tenha claro para si mesmo o que ele entende por Filosofia. Sabemos que, ao longo da história, são várias as concepções de Filosofia, e o mínimo que se pode esperar é que o professor apresente coerência entre aquilo que ele entende por Filosofia e aquilo que ele ensina em sua prática escolar. Resolver essa questão é o primeiro passo para fazer a escolha por um dos três eixos apresentados.

Particularmente, gosto muito de uma definição apresentada pelos filósofos franceses Gilles Deleuze e Félix Guattari, apresentada na obra O Que é a Filosofia?, publicada na França em 1991 e já traduzida no Brasil desde 1992. Nesse livro Deleuze e Guattari apresentam a Filosofia como uma atividade do pensamento que consiste em criar conceitos. Mobiliza-me essa definição em dois aspectos: primeiro, por tomar a filosofia como uma ação, uma atividade. A Filosofia é apresentada como um ato, ato de pensamento. Para o ensino e o aprendizado da Filosofia, isso é determinante, pois para sermos fiéis a esse tipo de experiência de pensamento, não basta que ensinemos seu produto, mas é essencial que façamos a própria experiência. O segundo aspecto é que eles atribuem à Filosofia uma especificidade que só ela tem: a de produzir conceitos.

O leitor possivelmente pensará: mas o conceito não é exclusivo da filosofia; e os conceitos produzidos pelas diversas ciências? E aí está o ponto. O que Deleuze e Guattari denominam por conceito não é aquilo que comumente chamamos de conceito, na ciência, por exemplo. Em geral, tomamos conceito por noção, definição, representação mental. A definição é algo que resolve uma pergunta e, com isso, paralisa o pensamento. Explico: penso, a partir de um problema que tento resolver, de uma pergunta para a qual busco resposta. Se encontro a resposta, cessa o movimento. A definição responde à pergunta. Para Deleuze e Guattari, a Filosofia é um exercício de pensamento que não cessa, que não paralisa. É um tipo de pensamento que se articula em torno do problemático, em torno de problemas que não se resolvem de forma direta, imediata e definitiva. O conceito, para eles, não é uma definição.

Em obras como Diferença e Repetição e Lógica do Sentido, publicadas em 1969, antes de sua produção em parceria com Guattari, Deleuze já estava preocupado em produzir uma Filosofia fora do eixo da representação, que domina o pensamento ocidental desde que Platão inventou uma maneira de pensar e produzir Filosofia. Assim, a noção de conceito que ele forja com Guattari anos depois nada tem a ver com representação mental e definição. Para eles o conceito é, ao mesmo tempo, um ato de pensamento e um produto do pensamento. O conceito é uma forma de equacionar o problema, que motiva a experiência filosófica, sem, no entanto, resolvê-lo ou eliminá-lo. A um só tempo, o conceito é resultado de uma experiência de pensamento e um motivador, um impulsionador de novas experiências de pensamento.

Para Deleuze e Guattari, o pensamento é essencialmente criativo; e há três potências de criação no pensamento: a Arte; a Ciência; a Filosofia. Cada uma delas é uma forma distinta de experimentar o pensamento e cada uma delas produz um resultado diferente para suas experiências. Aquilo que o cientista produz eles chamam de funções. O que é produzido pelo artista eles denominam perceptos e afectos. E chamam de conceitos aquilo que produz o filósofo. Assim, o que a Filosofia faz só ela faz. A Filosofia não pode ser substituída pela Arte ou pela Ciência, assim como não pode substituir nenhuma delas. Ao contrário, essas três potências de complementam e se alimentam entre si, umas fazendo com que as outras possam ser mais criativas.

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O mito da caverna (Platão)

"Imaginemos uma caverna subterrânea onde, desde a infância, geração após geração, seres humanos estão aprisionados. Suas pernas e seus pescoços estão algemados de tal modo que são forçados a permanecer sempre no mesmo lugar e a olhar apenas a frente, não podendo girar a cabeça nem para trás nem para os lados. A entrada da caverna permite que alguma luz exterior ali penetre, de modo que se possa, na semi-obscuridade, enxergar o que se passa no interior.A luz que ali entra provém de uma imensa e alta fogueira externa. Entre ele e os prisioneiros – no exterior, portanto – há um caminho ascendente ao longo do qual foi erguida uma mureta, como se fosse a parte frontal de um palco de marionetes. Ao longo dessa mureta-palco, homens transportam estatuetas de todo tipo, com figuras de seres humanos, animais e todas as coisas.Por causa da luz da fogueira e da posição ocupada por ela os prisioneiros enxergam na parede no fundo da caverna as sombras das estatuetas transportadas, mas sem poderem ver as próprias estatuetas, nem os homens que as transportam.Como jamais viram outra coisa, os prisioneiros imaginavam que as sombras vistas são as próprias coisas. Ou seja, não podem saber que são sombras, nem podem saber que são imagens (estatuetas de coisas), nem que há outros seres humanos reais fora da caverna. Também não podem saber que enxergam porque há a fogueira e a luz no exterior e imaginam que toda a luminosidade possível é a que reina na caverna.Que aconteceria -indaga Platão- se alguém libertasse os prisioneiros? Que faria um prisioneiro libertado? Em primeiro lugar, olharia toda a caverna, veria os outros seres humanos, a mureta, as estatuetas e a fogueira. Embora dolorido pelos anos de imobilidade, começaria a caminhar, dirigindo-se à entrada da caverna e, deparando com o caminho ascendente, nele adentraria.Num primeiro momento ficaria completamente cego, pois a fogueira na verdade é a luz do sol e ele ficaria inteiramente ofuscado por ela. Depois, acostumando-se com a claridade, veria os homens que transportam as estatuetas e, prosseguindo no caminho, enxergaria as próprias coisas, descobrindo que, durante toda a sua vida, não vira senão sombra de imagens (as sombras das estatuetas projetadas no fundo da caverna) e que somente agora está contemplando a própria realidade.Libertado e conhecedor do mundo, o prisioneiro regressaria à caverna, ficaria desnorteado pela escuridão, contaria aos outros o que viu e tentaria libertá-los.
Que lhe aconteceria nesse retorno? Os demais prisioneiros zombariam dele, não acreditariam em suas palavras e, se não conseguissem silenciá-lo com suas caçoadas, tentariam fazê-lo espancando-o e, se mesmo assim, ele teimasse em afirmar o que viu e os convidasse a sair da caverna, certamente acabariam por matá-lo. Mas, quem sabe alguns poderiam ouvi-lo e, contra a vontade dos demais, também decidissem sair da caverna rumo à realidade.
O que é a caverna? O mundo em que vivemos. Que são as sombras das estatuetas? As coisas materiais e sensoriais que percebemos. Quem é o prisioneiro que se liberta e sai da caverna? O filósofo. O que é a luz exterior do sol? A luz da verdade. O que é o mundo exterior? O mundo das idéias verdadeiras ou da verdadeira realidade. Qual o instrumento que liberta o filósofo e com o qual ele deseja libertar os outros prisioneiros? A dialética. O que é a visão do mundo real iluminado? A Filosofia. Por que os prisioneiros zombam, espancam e matam o filósofo (Platão está se referindo à condenação de Sócrates à morte pela assembléia ateniense)? Porque imaginam que o mundo sensível é o mundo real e o único verdadeiro."